quarta-feira, 17 de junho de 2009

Já não posso com médicos, exames, análises e outras coisas assim giras

ou
Eu até gosto de ver as séries que se passam em hospitais e tal mas isto já enjoa.
ou
Aqui vai mais um testamento, podem ir lendo durante as férias ou ao deitar para adormecer.
ou
Isto é mais para organizar as minhas ideias, que já não sabem bem onde encaixar.
ou
Sinto-me como se tivesse ganho o Euromihões mas ainda não tivesse levantado o prémio.

Sobre o exame dos potenciais evocados:

Fizemos uma longa viagem com o M. a querer dormir e eu, no banco de trás, a não o deixar fazer. Chegámos ao destino, esperámos, entrámos para a sala de exames, eu e o M.

O pai e a mana ficaram à espera, foram à discoteca ver CDs e lancharam bolas de Berlim e outras coisas do género. (Mais uma vez, ironicamente,) na pastelaria onde, há quase seis anos atrás, fomos lanchar antes de levar da maternidade, para casa, uma bebé com seis dias, depois de um período de internamento muito complicado. Isto tudo enquanto aqui a mãe estava aflitinha para ir ao WC, cheia de fome e sede, e a tentar adormecer uma criança irrequita, cheia de sono mas com mais vontade de explorar do que de dormir.


O M. fugia-me levando o termo do biberão de leite com ele. Queria ver os consultórios e andava à procura da assistente da Dra. que fez o exame. Lá peguei nele para beber o leite e ele disse 'titi!' (quando quer, fala) quando eu estava a abrir o termo. Depois, queria mais brincadeira, claro. Brincou com aquelas argolas de enfiar tipo pirâmide. As maiores lá ia pondo, mas chegando às mais pequenas, mais confusas, não fazia correctamente. [E como eu gosto que ele não faça tudo correctamente e em cinco segundos. Preocupava-me é que fizesse esse tipo de jogos com uma perna às costas, quando não liga patavina à linguagem.] Corrigia-o e dizia-lhe qual era a argola seguinte, e ele tirava a que tinha posto e punha a correcta. Mas isto durou pouco porque ele queria era 'laureá-la', nem pensar em sossegar e adormecer. Por isso, a medida drástica (para evitar uma anestesia geral) foi colocá-lo no carrinho de passeio e embalá-lo (com o sono que estava, sabia que ia adormecer depressa e profundamente). Assim foi, quer dizer não foi muito depressa que ele queria sair de lá, mas até correu bem.


O exame ainda foi longo, mas o M. cooperou. Quando parecia estar a despertar, embalava-o e voltava a ficar quieto. Tinha fios pela cara toda (bochecha, atrás das orelhas, etc.) e dentro dos ouvidos.


A meio do exame, fiquei muito tensa, porque a Dra. olhava para a assistente e fazia uma expressão pouco animadora. Depois, pedia-lhe que visse se os auscultadores estavam bem colocados nos ouvidos, pedia-lhe que os ajeitasse, e a assistente dizia que estavam bem. Parecia que alguma coisa estava mal.


No fim percebi o que era. É que, pelos vistos, a Dra. já tinha falado ao telefone com o otorrino ou com alguém da parte dele. E recomendou (como já me tinha dito a mim) que o exame só fosse feito um a dois meses depois da cirurgia, para que os resultados fossem fidedignos. Mas como o otorrino suspeitava que houvesse uma lesão neurossensorial, queria saber já para poder colocar próteses rapidamente. Assim, o exame foi feito pouco mais de uma semana depois da cirurgia, pelo que o exame acabou mesmo por ser influenciado pelos efeitos da cirurgia, mas sem grande relevância para o que queríamos avaliar.

A Dra. tranquilizou-me logo e disse que não há surdez neurossensorial. Isto foi claro no exame. Aí descomprimi. Disse que colocou no relatório que existe uma surdez ligeira a moderada (mas que o moderada quase que está a mais, porque só há um valor numa frequência que está a esse nível), por isso basicamente é ligeira. Trata-se de uma surdez de transmissão e, segundo ela, vai normalizando à medida que o tempo vai passando. Disse que faz colocação de próteses e que nunca recomendaria a sua colocação a uma criança com um exame daqueles, porque os valores alterados são consequência da cirurgia ser recente e o ouvido ainda não estar a 100%. Disse-lhe que o M. ainda coçava muito as orelhas (agora já o faz menos) e que o otorrino justifica como sendo os tubinhos que causam alguma impressão/comichão. Ela concordou e disse que isso é um sinal de que ainda não está tudo restabelecido e que um exame daqueles nunca devia ser feito antes de 15 dias após a cirurgia, mas que o melhor era um mês, idealmente mais ainda. Disse que podíamos repetir o exame mais tarde mas que não acha necessário, que no nosso lugar não pensava mais nisso, e que se fosse necessário falava com o otorrino para lhe explicar as suas conclusões. Já falei com o otorrino ao telefone e ele concorda com a Dra., também disse podemos ficar todos mais descansados.


O M., esse, acordou após o exame e pôs-se a 'namorar' a assistente. Porque basta alguém, principalmente se for mulher, dar-lhe alguma 'trela' e ele não desgruda. Faz a festa toda.


Despedimo-nos, com a indicação, mais uma vez, para não nos preocuparmos. Fomos para o carro, pagámos 10,50 euros por menos de quatro horas de estacionamento (!) e viemos para casa mais leves na bolsa e no espírito.



........



Ontem, antecipámos a consulta dos dois anos com o pediatra, para lhe dar conta dos resultados do exame e para ele ver o M., pois já não o via há algum tempo. Agora, é raro o M. ficar doente, mesmo tendo voltado para o colégio e mesmo quando quase todas as crianças da sala ficaram doentes, tem resistido bem.

O pediatra acha que o M. não tem nada patológico. Diz que não acha necessário ir a uma consulta de desenvolvimento, ir só se daqui a seis meses não notarmos melhorias. Diz que o facto de ter estado muito tempo em casa (quase enclausurado, acrescento eu), ter ido para o colégio pouco tempo e ter voltado para casa, e ter estado sem ouvir bem durante muito tempo, justifica este atraso no desenvolvimento, mas que não está propriamente fora da normalidade. Diz que temos de lhe dar mais tempo e que precisa, agora, de muito colégio. [Eu concordo e lembrei-me de um miúdo da sala da M. - cinco anos - que só foi em Setembro para o colégio, porque esteve sempre com o pai na oficina, e quase que nem se percebia o que dizia. Em certas crianças, o colégio faz mesmo muita diferença.]


Quando eu disse que o otorrino sugeriu que falássemos com o pediatra para fazer a despistagem de alguma doença neurológica, incluindo autismo, o pediatra não conteve uma expressão de surpresa/riso. Disse que o M. não fala, mas interage, e que não ouviu bem durante muito tempo e que isso pode explicar todas as 'alterações' de comportamento que tem. Eu acho que o otorrino é hipocondríaco e acho que a Dra. que fez o exame e o pediatra também pensam o mesmo.

Desde bebé e até agora, as melhores palavras que descrevem o M. são 'relações públicas' (dizemos nós na brincadeira), simpático e bem disposto (diz a maioria das pessoas que se cruza com ele na rua, porque o M. mete-se com elas). Se está só ou com uma/duas pessoas, é quase certo que começa a 'deprimir-se'; por outro lado, se está num clima de festa, com música, dança, muitas pessoas e animação, delira. Eu acho que ele precisa de muitos estímulos, novos e diferentes, gosta de explorar e de novidades. Está mal (apático) quando está em ambientes 'seca'. Nota-se que ele gosta e tem necessidade de comunicar, só não o faz pela fala. O pediatra diz que ele ainda está um pouco abebezado e que lhe parece ser só isso.

Ontem, por exemplo, no curto percurso desde o carro até à clínica, passámos por duas senhoras e meteu-se com as duas. Disse-lhes coisas incompreensíveis, mas que eu acho que seria a cumprimentá-las. Uma espécie de 'boa tarde, como estás?'. Depois, avistou uma criança de um ano, ano e meio, e começou a sorrir. Quando passou por ela, esta estava a papaguear 'olhá olhá', e o M. deve ter pensado que era para ele. Parou, olhou para o miúdo e riu-se.

Quando chego com ele ao colégio, costuma ir ao balcão da secretaria e tenta saltar e subir, para poder espreitar a menina da secretaria. Se o ponho em cima do balcão, fica contente e tenta ir para o chão do outro lado. Há dias, quando ele estava a fazer isso, a menina disse-me, muito sorridente (e ela até um tanto ou quanto deprimida), que o M. vai lá visitá-la todos os dias. É conhecido no colégio por ser muito bem disposto, sociável, nada conflituoso, comer e dormir bem. Educadoras e auxiliares metem-se sempre com ele, e acho que o fazem por não ser uma criança dada a 'melindres', aceita bem qualquer tipo de brincadeira, é um bon vivant. Adaptou-se muito bem ao colégio, tanto da primeira como da segunda vez. Até bate à porta da salinha para entrar. Faz as suas birras, mas, regra geral, está sempre bem. Adora o parque e a sala dos bebés.

Um ou dois dias depois da cirurgia começou a dançar ao som da música. Já dançava, mas fazia-o por imitação, quando via os outros, ficando nós sem perceber se ouvia os sons. Agora, fá-lo espontaneamente. Na noite de 12 de Junho, fomos a uma espécie de festa de santos populares '3 em 1' (os três santos). Havia música, ninguém estava a dançar, e o M. começa abanar-se. Também queria saltar a fogueira pequena que as crianças estavam a saltar e, quando pegávamos nele para passar por cima, ria-se que nem um perdido. Adorou. Festa, lá está. Na mesa dos comes e bebes, estavam pacotes de sumo - o M. apontou e disse 'titi'. Ontem, ao fim do dia, fomos aos carrocéis e o M. andou. No fim, claro, não queria vir embora.

Começamos agora a descrobrir que é extremamente teimoso e desafiador. A educadora confirma. Por exemplo, sabe que não pode mexer nos botões do forno ou das máquinas. Mas vai lá, nós dizemos 'não' e ele pára, olha para nós de soslaio, ri-se e tenta mexer outra vez. Traquina mesmo. Provoca-nos e quando voltamos a dizer 'não' ri-se às gargalhadas. Pelo meio faz-nos uns olhares matreiros, sabe bem que está a fazer asneira. Andámos muito tempo com o discurso 'ah coitado que não ouve, deixa-o lá bater e atirar com o que quiser, ah coitadinho que tem que se distrair com alguma coisa' e agora está um libertino. :P

Ainda assim, há uma coisa que ele faz que nos preocupa. Parece que de vez em quando tem 'ausências'. Parece desligar por uns momentos e depois passa-lhe. Geralmente nota-se mais isso quando está preso na cadeira da papa ou na cadeira do carro ou no carrinho, quando está aborrecido sem nada para fazer e sem ninguém a interagir com ele. Associado ao facto de ter passado muito tempo sem ouvir, pensamos que acaba por ser apenas uma característica dele. Lá está, o pediatra acha que não é patológico. Diz que poderá ainda ser um 'tique' associado aos problemas auditivos que teve. Qualquer das formas, e como insisti um pouco nesse assunto, o pediatra achou por bem mandar o M. fazer um electroencefalograma. Diz que ausências de três a quatro segundos, em que a criança pára e depois volta ao que estava a fazer (não noto propriamente que o M. deixe de fazer alguma coisa, acontece mais quando já está inactivo), podem ser sintomas de epilepsia. Não lhe parece, pela nossa descrição, que seja o caso do M., mas como se trata de um exame não invasivo e que despistará esse problema, vamos fazê-lo. Vai ser já depois de amanhã e vai com a mesma indicação de estar cheio de sono para dormir durante o exame.

É claro que eu tento não me preocupar e acreditar que o pediatra tem razão, que não é nada patológico, mas não deixa de ser uma suspeita, mais uma. E eu já não consigo mais com suspeitas... Qualquer dia fundo uma Polícia Judiciária. :S E não posso deixar de me interrogar sobre o que mais é que virá a seguir! :S

Não é fácil estar constantemente num cenário de ter um filho talvez-surdo-ou-talvez-autista-ou-talvez-epiléptico-ou-talvez-tudo-junto-ou-talvez-nada-disso-e-andamos-é-a-viver-em-Hollywood-num-filme-bem-burlesco. Bem sei que problemas auditivos, mesmo que ligeiros, em crianças muito pequenas, podem provocar grandes perturbações ao nível da fala, do desenvolvimento e do comportamento, mas nunca pensei que pudesse chegar a esta dimensão.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Até nem apostei

mas hoje saiu-me o Euromilhões.

[Preciso de umas férias.]

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Brother & sister

A educadora do M. diz que notou uma grande diferença no M. depois da operação. Perguntou se nós não notámos. Diz que fala com ele como fala com os outros meninos, e o M. percebe o que ela quer e faz. Diz que já não precisa de puxar pela voz, deixou de ter de gritar. Quando o M. fugia para o parque, ela tinha de chamá-lo várias vezes e muito alto até que ele ouvisse, agora chama-o como chama os outros e ele ouve. Diz 'vamos fazer um desenho!' e o M. vai. Pede brinquedos apontando para o que quer (quando estão nas prateleiras), brinca muito às comidas e até lhes vai mostrar o prato e os talheres, gosta de se enfeitar com fitas no cabelo (em casa também o faz, influências da mana), e veste e despe as bonecas.


Pedi à educadora para espreitar o M. quando ele estava na sala, sem que ele me visse. Queria ver o seu comportamento. A educadora disse à auxiliar para se sentarem todos juntos e para dar um brinquedo ao M. Deu-lhe uns copos empilháveis. O M. começou a brincar, todos os meninos puseram-se à volta dele a observar, um deles tirou um copo ao M. e o M. tirou-o de volta. Depois dispersaram. Um menino foi ter com o M. para lhe tirar o copo que tinha na mão e o M. ficou na dele, mas quando a auxiliar disse 'vai tirar o copo ao A.!', o M. foi ter com o A. e tirou-lho. A educadora acha que o M. está a par dos outros a nível cognitivo e social. Só não fala.


Em casa, o M. tem estado muito mais atento à televisão, principalmente aos bonecos, à menina russa e aos... políticos e afins. :S Imita os políticos a falarem (na linguagem dele) e faz os mesmos gestos (acena com o dedo indicador e cerra os pulsos) para dar ênfase ao que está a dizer. lol Nunca tive muita necessidade de ralhar com o M., mas como ele está a crescer e até pode não ouvir bem mas tem de conhecer os limites, por vezes zango-me com ele. Ele fica sentido, enerva-se e cerra os pulsos e os dentes um bocadinho, para libertar a 'raiva'. Mas passa-lhe depressa, porque não consegue ficar sério muito tempo. Quando se deita no chão a fazer birra (coisa rara também), dura uns cinco segundos porque olha para nós, desata a rir, levanta-se e arranja algo com que se ocupar.


Ontem, quando saímos do colégio, a mana começa a fazer uma dança muito esquisita, tipo selvagem (ela é assim lol) e a emitir uma espécie de sons à homem das cavernas. O M. começa a dançar como ela e... emite exactamente os mesmos sons! À noite, pareceu-me que o M., quando estava a adormecer, estava a ouvir o som da etiqueta da fralda de pano. Ele mexeu na etiqueta sem querer e, como estava tudo silencioso, aquele som baixo era fácil de identificar - pareceu mesmo que ele ficou atento ao som. Também parece que tem prestado atenção ao barulho do papel quando está a ver os catálogos e as revistas. E pega na embalagem (metálica) da água do mar, tira-lhe a parte de cima de plástico e começa a bater uma na outra. O som até é um pouco seco e 'leve', mas ele gosta de fazer isso e ri-se de satisfação. Ainda ontem à noite, ele pôs os copos de plástico dele e da mana em cima da mesa, mas eles tombaram, rolaram e caíram ao chão. Fizeram barulho, claro, e o M. assustou-se. Já repetiu o 'anda!', dirigido à irmã e acompanhado pelo respectivo gesto, quando ele estava entre mim e ela, e ela não obedecia ao meu 'anda!'. E a auxiliar da sala do M. diz que o chamou para mudar a fralda e que ele disse uma palavra que lhe pareceu ser o nome dele. São tudo bons indícios, claro, mas o meu marido diz que eu sou como o otorrino... céptica. Admito que sim, mas não quero (des)iludir-me.

O certo é que ele está muito mais presente, mais cá, mais atento, mais comunicativo. Tenta falar na linguagem dele, utilizando entoações diversas e gestos. Até vai dar estaladas à irmã, coitada (ela não se importa muito, ele não a magoa, mas não pode ser), quando ralho com ela.


A mais velha está grande, muito grande, e com a mania de que sabe falar inglês (e até sabe). Agora anda a dizer os nomes das divisões da casa e dos membros da família em inglês (o mano é baby e brother). Ontem à noite perguntou-me se podia ir para a living-room. Confesso que tive de pensar um pouco antes de responder, pois não estava à espera de uma frase poliglota. ;) Tem seis namorados (devem ser os rapazes todos da sala e eles confirmam) e diz que ainda vai ter mais porque tem de ter muitos, tem de ser a que tem mais, basicamente tem de ganhar. Ela tem de ser sempre a maior e a mais forte, mesmo que isso implique atitudes socialmente menos correctas como ter um número infinito de namorados. Estou tramada. :P

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Ponto da situação

O M. foi operado na passada terça-feira, há quase uma semana portanto. A cirurgia correu bem, foi de manhã, e à noite já estava em casa. Dormiu a noite toda. O acordar depois da operação foi um pouco complicado e incluiu uma veia a deitar sangue tipo esguicho, porque o cateter saiu, e eu a estancar o sangue com a fralda de pano do M. Não foi bonito. :S

O otorrino passou no quarto por volta da hora de almoço e queria ver se o M. já ouvia melhor. O M., se já dorme muito, então com uma anestesia em cima ainda dorme mais, e é claro que não ia acordar. Ainda se tentou levantar e disse qualquer coisa na linguagem dele acompanhando com uma explicação com as mãos, mas depois disso 'caiu redondo' na cama. Eu acho que ele nos estava a ouvir a falar e levantou-se para 'falar' também, mas não conseguiu porque estava perdidinho... Enquanto continuámos a falar, ia abrindo os olhos, mas depressa voltava a adormecer.

Ficou um dia em casa e já estava farto. Ia buscar os meus sapatos para ir à rua, pegava nas chaves e coisas assim... Por isso, na quinta-feira foi para o colégio, com autorização do otorrino. Nada de dietas. No primeiro dia foi mais à base de líquidos frios, mas dei-lhe miolo de croissant à sucapa, que ele estava cheio de fome e pedia. No dia seguinte já estava tudo normal.

Descobri que ele reconhece uma galinha. Faz 'põe, põe' com o dedo e a mão quando vê uma (em desenho) e diz 'p,p,p'. Tem dançado ao som da música no colégio e em casa. Não nos parece que seja por 'imitação', parece ouvir. Já lhe saiu um 'anda' dito à mana e outro ao pai. No caso da mana, eu estava com ele à beira das escadas para irmos jantar, e eu estava a dizer 'anda M.!' à irmã; só que ela não vinha porque estava a brincar; ele largou a minha mão, foi ter com ela e disse um 'anda' que me pareceu quase perfeito. Com o pai, a situação foi idêntica e ocorreu hoje de manhã, quando o M. queria que o pai fosse com ele. Não sei se ando a imaginar coisas, mas que foi uma palavra parecida com 'anda', foi. A educadora diz que agora ele reage sem ser preciso falar tão alto como antes. Diz que o manda colocar a presença dele no quadro, conforme manda aos outros, e ele vai logo. Antes da cirurgia, em três dias diferentes acordámo-lo com estalar de dedos, em diferentes intensidades, e ele acordou sempre. Numa das vezes, com um único estalar de dedos mais sonoro, até saltou da cama com o susto.

Hoje de manhã, fomos à consulta pós-cirúrgica. O otorrino disse-lhe 'olá' e o M. não lhe ligou. O otorrino acha que o M. não o ouviu. Eu acho que ele estava era distraído a fazer 'olhinhos' à funcionária que (ainda) estava do lado de fora do consultório. Depois, como eu disse que o M. tem reagido ao toque do meu telemóvel, o médico telefona-me. O M., que estava a ler o seu livro, faz uma cara diferente mas continua nos seus afazeres. O médico conclui que ele não ouve, pois claro. Eu acho que o M. acha uma seca estar lá e quer é vir embora. O otorrino lá se meteu com o M. e aí ele riu-se (finalmente uma coisa divertida, deve ter pensado), depois dei-lhe o meu telemóvel e começou a 'falar' colocando-o ao ouvido.

No final da consulta, o otorrino disse 'xau, M.!' sem fazer gestos e o M. levantou logo a mão para acenar (como quem... 'finalmente!'). Ninguém reparou se o M. estava a olhar para o otorrino quando ele falou, mas achamos que não, que ele até estava a olhar para baixo. O otorrino disse outra vez e o M. voltou a acenar. Conclusão do otorrino: 'ele pode saber ler os lábios'. Ok, aqui só me apetecia dar-lhe uma marretada! Já fartinha, virei-me para o M. e disse 'dá miminho à mamã!'. E ele esticou a mão (estava no carrinho de passeio) para me fazer um miminho, não descansando até eu me baixar para me passar a mão pela cara. Será que ele também leu nos lábios uma frase dessas, ainda por cima pronunciada relativamente depressa? E 'xau', lido nos lábios, não podia ser outra coisa qualquer que não xau? E quando acorda com o estalar dos dedos está a ler o quê, a 'Maria'? Qualquer das formas, o otorrino disse que já estava mais contente quando o M. teve estas reacções. Pois, é que o M., ouça bem ou menos bem, não deixa de ser criança, reagindo apenas àquilo que lhe interessa ou desperta a atenção...

Acho que o médico queria que o M. acordasse da cirurgia e dissesse logo 'olá sr. doutor, como tem passado?'... Nós continuamos com muitas dúvidas sobre o nível de audição do M., mas é verdade que ele está melhor. Por exemplo, ontem ele estava sentado na cadeira da papa, de costas para a porta da cozinha, e esta emite um 'estalinho-daqueles-que-a-madeira-faz-quando-está-muito-calor', e o M. vira-se logo para trás. O som não foi alto, mas foi um som diferente, que provavelmente despertou a atenção do M. Parece que o otorrino está à espera que o M. esteja sempre a virar a cabeça para tudo o que é sítio de onde tenha vindo som. Se o M. já conhece o som do meu telemóvel, não pode simplesmente não lhe ligar porque já o conhece, não é nada novo ou interessante? E quanto ao ler lábios, já disse 'miminho' ao ouvido do M. e ele fez. No fim-de-semana, o M. estava a brincar no quarto e eu disse-lhe 'vamos, anda e outras coisas que tal'; não me ligou, mas quando eu disse 'vamos ao papá!', deixou de fazer o que estava a fazer e foi ter com o pai. (Não leu os lábios, acho que até estava de costas.) Por isso, ou são tudo grandes coincidências ou o M. até ouve melhor do que pensamos.

A minha empregada diz que tem um irmão que só começou a falar aos quatro anos. Diz que só apontava para o que queria e nada dizia. Depois, começou a falar e correu sempre tudo bem. Eu acho que o M. é um bocado 'parado', principalmente quando está mais sozinho. Ele gosta é de estar com muita gente, é sociável e comunicativo (olha muito nos olhos, ri-se, faz gracinhas, passa a mão nas pernas das raparigas ;), chama a atenção das pessoas de várias formas), mas, ao mesmo tempo, sempre foi muito dorminhoco, calmo e observador. E se está empenhado em qualquer coisa, não nos liga, parece que não nos está a ouvir nem a ver (e não posso concluir que seja cego porque não liga aos meus gestos). Por outro lado, se interrompo o que ele está a fazer, não 'stressa', até se ri e começa a fazer gracinhas. Continuamos com a hipótese de autismo, mas tanto a mim como à educadora parece-nos quase impossível que seja isso, porque as únicas 'pistas' são ele ainda não falar e parecer não ouvir bem. O otorrino diz que há crianças muito enérgicas e há outras que são mais calmas, mais contidas, que se distraem muito, por uma questão de temperamento apenas, mas que é necessário averiguar se há alguma lesão auditiva (ou doutro género) para ficarmos tranquilos. E nós concordamos.

Sendo assim, o próximo passo é fazer um exame em que o M. tem que estar a dormir (naturalmente ou com anestesia) para analisar o seu potencial auditivo. Vamos fazê-lo na sexta-feira à tarde.