segunda-feira, 18 de maio de 2009

Contradições e resoluções

Por que é que não vou procurar mais opiniões de otorrinos? Porque já pedi três opiniões, porque foram as três divergentes, com as duas últimas a serem diametralmente opostas, porque isso implicaria deixar passar mais tempo e já passou tempo suficiente, porque o meu filho tem mesmo de tirar o líquido que tem nos ouvidos.

Enquanto não retirar o líquido e colocar os tubinhos de ventilação, não saberemos se a audição está afectada e, em caso afirmativo, até que ponto. E só depois de retirar o líquido é que se pode fazer o exame dos potenciais auditivos, que nos dirá até que ponto ele ouve. Até aqui há contradições! Segundo o otorrino, este exame pode ser feito uns dias depois da cirurgia. Eu, que não consigo ficar com dúvidas em cima de dúvidas, liguei para o local onde realizam o exame e falei directamente com a técnica que faz o exame. [Mais uma ironia do destino, o local fica na zona onde a minha filha mais velha nasceu e ficou internada.] Ela diz que até se pode fazer o exame no dia da cirurgia, mas não recomenda. Recomenda que se deixe passar um a dois meses, para que os resultados não possam ser 'falseados'. Diz ela que se houver alterações no exame, ficamos sem saber se é porque é assim mesmo, ou se é porque a audição ainda não está completamente restabelecida. O único exame que o M. fez, até agora, foi o timpanograma, e já fez vários. É o que se consegue fazer com a cooperação de uma criança desta idade.

Sendo assim, temos mesmo que dar este passo da cirurgia para retirada do líquido. O M. já foi fazer as análises ao sangue e já fez radiografia para ver as adenóides. [Nem me vou alongar muito sobre a radiografia... É mais um filme. O radiologista concluiu que o M. não tem hipertrofia das adenóides, mas o otorrino garante que tem. Porque tem a ver com a posição inclinada em que a criança estava e blá blá blá. Percebi a explicação e quero acreditar que tem razão.] Depois veremos como reage.

O que me consome são as incertezas e os tempos de espera, daí também não querer consultar mais nenhum especialista. A fazê-lo, faço-o depois da cirurgia. Aliás, vou deixar já marcada uma consulta no centro de saúde para se depois precisar de pedir uma requisição para o tal exame, fazê-lo nessa altura. Aí, se for necessário, peço também encaminhamento para a ORL de Coimbra. Se o milagre não vier ter comigo, vou eu ter com ele, a Coimbra, onde, pelo que já percebi, se fazem belíssimos 'trabalhos' com o implante coclear (desde que a pessoa tenha condições morfológicas para o receber). E espero que, a acontecer, ninguém me venha com os fundamentalismos de que um surdo tem que ser um surdo, deve utilizar apenas a Língua Gestual e a leitura dos lábios, não recorrendo ao implante. Respeito quem tenha essa posição, mas eu sempre achei que devemos utilizar o que de melhor a ciência nos oferece, e sempre gostei de inovações, fascinam-me. Pelo que tudo farei para que o meu filho desfrute do mundo e da vida na sua plenitude. O que não quer dizer que não aprenda a Língua Gestual - também. Aliás, trata-se de uma Língua que sempre quis aprender, por isso, se for necessário, vai a família toda aprender. Só que eu quero que o meu filho seja autónomo, desenrascado e despachado, como tem demonstrado ser, e, para isso, terá de utilizar todas as ferramentas à sua disposição para desbravar o mundo, porque ninguém vai fazer isso por ele.

O que eu queria mesmo era ter um diagnóstico já, para poder actuar já. Porque tudo demora o seu tempo, e um mês que seja na vida de uma criança tão pequena é muito tempo. Porque viver com o 'não saber' é um martírio. Porque a primeira infância é um tempo precioso em termos de aprendizagem.

Em relação ao autismo, como na surdez, há vários graus. Sei que há crianças autistas que têm um comportamento praticamente 'normal'. Ainda por cima, antes dos dois anos, é difícil fazer um diagnóstico definitivo. Esta dúvida coloca-se em relação ao M. em determinados momentos. Há momentos. Ele é muito meigo e muito sociável, mas há momentos em que não nos liga nenhuma mesmo que se emita um som ao qual ele costume reagir. É uma hipótese ténue, mas que tem de ficar em aberto.

Ontem, o meu cunhado chamou (normalmente) pelo M., que estava de costas, a brincar. O M. virou-se logo. Há cerca de uma semana e tal, eu e a minha sogra ensinámos o M. a fazer uma festinha na nossa cara quando dizíamos 'miminho!'. Aprendeu logo e, quando a minha sogra disse 'faz miminho à mamã!', quando lhe estávamos a trocar a fralda, ele fez logo. Desde aí, sempre que lhe dizemos essa palavra (e não precisamos dizer muito alto), ele faz uma festinha, mesmo que não façamos gestos nem lhe aproximemos a nossa cara. Ontem, também, o M. estava a ver uns cães e uns gatos de madeira e eu fazia 'miau miau' e 'au au', e ele fazia uma imitação desses sons, à maneira dele. E, depois, há certos momentos em que parece ouvir melhor, como a seguir a uma refeição em que ele mastigue muito. Dizem que mastigar alivia a pressão nos ouvidos, e isso parece acontecer com ele. O oposto também acontece: a seguir a dormir parece ouvir pior.

Por volta dos seis meses, o M. começou a puxar as orelhas. O pediatra nunca deu importância porque os ouvidos estavam bem e parecia-lhe que o M. ouvia. Por volta dos sete meses, fez uma otite no ouvido esquerdo, que passou com o antibiótico. Nessa altura, deve ter começado também a tosse (hiperreactividade brônquica). Acho que desde aí não deve ter havido um dia em que o M. não mexesse nos ouvidos, que foi passando de puxadelas a mexidelas e expressões de dor. O pediatra, que o viu regularmente (não deve ter havido um mês na vida do M. em que não tenha ido ao pediatra, por rotina ou porque a qualquer febrita o levava), dizia sempre que os ouvidos estavam bem. A tosse foi piorando, assim como as secreções nasais e as mexidelas nos ouvidos. Até hoje, sempre que a tosse piora (mas já está controlada com medicação), pioram as secreções e parece que ele ouve menos. Quando entrou para o colégio, tudo piorou: a tosse, as secreções nasais, o mexer nos ouvidos, mas também coincidiu com a chegada de um Outono húmido, frio e rico em viroses. O pediatra disse sempre que estava tudo ligado, que as mucosas do aparelho respiratório dele inflamam-se muito e libertam secreções. Os ouvidos foram priorando, até ao ponto em que sempre que ia ao pediatra estavam muito muito inflamados, e depois veio o líquido. A audição foi piorando progressivamente.

O M. sempre reagiu ao 'não!', mesmo estando de costas, mas foi preciso ir dizendo um 'não' cada vez mais sonoro. Diz 'olá!' desde os três meses e meio. Começou a dizê-lo sempre que apareciam apresentadoras a falar na TV e às pessoas que passavam na rua. Mais recentemente, foi dizendo 'olás' cada vez mais sonoros, parecia que se queria ouvir melhor e agora é raro dizê-lo. Mas, já a seguir às otites e a ouvir muito mal, aprendeu a dizer 'na na na na na', acompanhando com o gesto do dedo indicador a dizer que não. Dizem no colégio que há um miúdo que costuma fazer isso... Também percebe bem o 'anda!' e o 'vamos!' e quando não quer vir abana a cabeça e não sai do sítio. À televisão não liga grande coisa. Quando era mais pequeno, passavam vídeos de música na TV e ele dançava, depois continuou a fazer isso mas via-se que era porque ele já sabia que eram vídeos de música e não propriamente porque ouvia. Eu fico na dúvida se ele tem determindas reacções porque ouve ou se é porque junta dois mais dois e dá quatro. Mas há coisas que dão que pensar como os 'na na na na' pronunciados perfeitamente e no contexto correcto, e os 'bebé' repetidos depois de eu lhos dizer ao ouvido, e os 'dá' com a mão estendida. Os 'tou' ao telefone foi deixando de dizer, e continua a dizer uns resquícios de 'já tá' quando finaliza alguma coisa. E eu podia jurar que ele hoje acordou com o som da porta do quarto dele a abrir, porque vi-o a levantar-se ainda estremunhado, logo após a abertura. E que no outro dia ele pôs-se à procura da fralda de pano quando lhe perguntei 'onde está a fralda?'. E ouviu o meu sogro a falar com a M. no jardim, só não percebeu de onde vinha o som, porque andava à procura mexendo a cabeça; mas quando o meu sogro falou mais alto virou-se logo para o sítio onde ele estava.

O otorrino diz que há a hipótese de o líquido ser muito e dificultar-lhe muito a audição (já confirmou que é muito viscoso e que, por isso, vai ter de colocar os tubinhos), mas fala nisso como uma hipótese num milhão. O otorrino anterior dizia que era normal ele ouvir muito mal porque tinha muita pressão nos ouvidos e fez alguns tratamentos para 'tentar aliviar a pressão' (palavras dele). Na sequência de um desses tratamentos, o timpanograma deu alguma audição no ouvido direito, e parecia que nessa altura o M. estava, de facto, a ouvir melhor. A educadora até comentou isso comigo. Acho que deve ter sido por aí que aprendeu o 'bebé'. Agora, os timpanogramas estão péssimos. Para já, não sabemos se esta otite serosa é uma 'causa' ou se é um 'ruído' que nos levou noutras direcções que não a certa.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Qualquer dia desintegro-me

O M. vai ser operado daqui a pouco mais de uma semana. Vai cortar as adenóides (pelos vistos não são demasiado grandes, mas são suficientemente grandes para estarem a causar problemas), retirar o líquido dos ouvido e colocar tubos de ventilação. O exame para avaliar a perda auditiva terá de ser feito sob sedação e não será aquando da cirurgia, por ter de ser feito num centro especializado. No centro aqui da zona afinal só fazem a adultos, pelo que, provavelmente, teremos de nos deslocar a outra região.

O otorrino está convencidíssimo que o meu filho tem uma surdez muito grave, que não pode ser causada só pelo líquido. Já falámos em aparelhos auditivos e, se o pior se comprovar, em implantes cocleares colocados cirurgicamente. E eu saio das consultas como se um camião tivesse passado por cima de mim. Confusa, desanimada, angustiada e frustrada. A perguntar-me o que é que andei a fazer este tempo todo nos médicos; ninguém desconfiou que ele teria uma surdez grave mesmo quando eu me queixava que ele ouvia muito mal?

O otorrino anterior dizia que era normal ele ouvir muito mal por causa das otites e do líquido, e por estar a acontecer na fase de aquisição da linguagem. Disse-me sempre para não me preocupar, que ele podia ficar com algum tipo de sequela mas que nunca seria algo muito grave. Agora, este otorrino pinta o cenário mais negro que se possa imaginar. Diz que o meu filho não reage nas consultas. Mas o certo é que das duas vezes estivemos mais de uma hora à espera, estávamos todos fartos de lá estar, só queríamos vir embora e, claro, o M. 'divaga' mais do que o habitual. É certo que o M. não reage à maior parte dos estímulos sonoros, mas também é certo que a sua reacção é muito variável. Por exemplo, andava a explorar a consultório, o médico chamava-o e ele não ligava nenhuma, mas, pudera, estava empenhado noutra coisa. Depois, o M. foi à beira do médico para mexer no portátil dele, o médico chamou-o e o M. olhou logo para ele. Mas o otorrino acaba por relativizar, diz que o M. ouve os sons, sabe que é algum som, mas provavelmente não os percebe.

E eu a lembrar-me que ainda há pouco tempo estava com ele no escritório (ele a brincar) e eu disse-lhe 'anda, vamos à papa, vamos à papa'. Ele ficou indeciso, olhou para um dos brinquedos e disse 'papa', pousou-o, e correu à minha frente em direcção às escadas que dão acesso à cozinha. Também há algum tempo atrás, ao passar por umas fotografias que estão no corredor, dizia-lhe 'bebé, bebé' (a apontar para uma foto minha em bebé) e ele repetiu mais do que uma vez e em alturas diferentes. É uma palavra que ele nunca disse nem diz, mas comigo a insistir ele conseguiu dizer. Por isso, ele ouve sons mas não os percebe? É que não sei o que pensar... Inventou 'bebé'?

Em relação ao sono, o médico perguntou se ele acordava com barulhos e eu disse que não. Mas há muita gente que tem o sono muito pesado e dificilmente acorda com barulhos (ainda por cima, a minha casa não é muito barulhenta). Às vezes, nem mexendo nele ele acorda. Hoje de manhã, estava a dormir profundamente, até abri o estore e nada. Estava mesmo a dormir ferrado. Para testá-lo, estalei os dedos duas ou três vezes. Ele estremeceu à segunda e acordou à terceira. Tenho a certeza que ele acordou por eu estalar os dedos.

Ontem, quando íamos para a consulta, tinha o rádio ligado no carro, por isso havia ruído, e mesmo assim, o M. ouviu-me a espirrar (e não foi muito sonoro) porque ele, que ia na cadeirinha no banco atrás do meu, imitou-me como geralmente me imita quando espirro (não faz um 'atchim', faz uma espécie de tosse).

Com isto tudo, fico super confusa, porque quero saber o que é que se passa para poder mentalizar-me da situação e agir de acordo com ela. Mas há alturas em que ele percebe bem determinadas coisas e há alturas em que parece pouco ou nada perceber. Por exemplo, ele estava sentado na cadeira da papa a ver televisão, eu cheguei atrás dele e chamei-o muito alto (ele ouve naquela intensidade, de certeza). Mas não teve reacção! Não sei se é distracção, se é alheamento... Eu e a educadora dele já colocámos a hipótese de autismo, mas a educadora diz que é uma hipótese que tem vindo a descartar com o tempo, porque os 'indícios' estão todos relacionados com audição reduzida. Eu ainda não descartei totalmente essa hipótese, porque estou confusa em relação ao nível de audição do meu filho. Nuns dias é surdo profundo, noutros não?

Quando a minha filha nasceu, suspeitaram que ela tivesse uma doença genética metabólica. Esteve seis dias internada e eu vivi seis dias de pesadelo, a preparar-me para ficar com uma filha incapacitada para a vida, tal era o estado dela na altura. Hoje é a criança mais vivaça que conheço. Só que eu pensava que os raios não caíam duas vezes sobre a mesma árvore e enganei-me. Agora estou a viver bem mais do que seis dias de pesadelo, desta vez com o M., a oscilar entre uma perspectiva de surdez grave e uma pespectiva de autismo... ou, pior, as duas... E o tempo vai passando... E se ele precisar de um implante coclear? Há lista de espera e convém que seja feito o mais rapidamente possível para que os benefícios sejam maiores. E ainda falta a cirurgia, e depois o exame... E se o exame até dá normal lá vem a nuvem do autismo outra vez.

Por outro lado, já li tantos relatos na net (bem sei que o que se lê na net vale o que vale, mas algum fundo verídico há-de haver) sobre crianças que tinham otite serosa, o que lhes provocou níveis de audição muitos muito baixos e condicionou a aquisição da linguagem, e que normalizaram depois da cirurgia. Mas o otorrino também relativiza, diz que a otite serosa só causa perdas de audição reduzidas (só que eu já li tantos testemunhos a dizerem o contrário!). Acha que alguma perda de audição o M. terá, só não sabe se é baixa ou se é elevada.

Se um raio pode cair duas vezes sobre a mesma árvore, será que um milagre também pode acontecer duas vezes à mesma pessoa?